Leon Maximiliano Rodrigues
Composição do proço do gás liquefeito de petróleo (GLP) ou, como o conhecemos popularmente, gás de coznha (Fonte: Associação dos Engenheiros da Petrobrás - AEPET). |
Motivado pela discussão em torno de uma postagem sobre um recente
aumento no preço do gás de cozinha, o GLP (Gás Liquefeito de
Petróleo), especialmente pelo fato de que alguns internautas
colocaram uma pulguinha atrás da minha orelha, resolvi ir atrás dos
dados para verificar quem estava com a razão. Bom. Ter ou não ter
razão não é a questão. Mas, resolver o problema é o que me
motivou.
Admito que a postagem tinha um caráter tendencioso devido à minha
rejeição ao atual governo federal. Mas, alguns comentários
sugeriram que o aumento anunciado recentemente tinha mais a ver com a
corrupção do governo anterior, algo muito propagado atualmente nas
mídias mais populares.
Como sou cientista, não podia me contentar com o debate nebuloso e
retórico, frequentemente baseado em evidências pontuais, típico
das redes sociais. Não se trata de desmerecer os internautas. Estão
no direito de opinar e devem fazer isso. Se trata, antes de qualquer
coisa, de ser coerente comigo mesmo, de ser coerente com minha
própria filosofia e ideologia.
Se defendo a justiça, no sentido mais amplo, não posso correr o
risco de ser injusto com alguém só porque pensamos diferentes. A
intolerância com as diferenças é o primeiro passo para o fascismo.
A antítese da intolerância às diferenças é a valorização da
diversidade. É o entendimento de que na multiplicidade de idéias
reside a riqueza de possibilidades de soluções. E é no diálogo
entre as diferenças que surgem os questionamentos sobre uma posição, que pode estar errada e, sem a oposição, pode acabar na zona de
conforto e aceita como dogma, como verdade sem questionamento. É por
isso que todos os regimes autoritários, sejam de direita ou de
esquerda, sempre buscaram eliminar todos que se opuseram às idéias
ditadas pelo regime.
Entretanto, diante dos fatos é sempre difícil se opor ao que eles
revelam. Podemos até manipular, revelando parcialmente uma verdade
ou filtrando os componentes que interessam. E isso é bastante comum
em vários setores da sociedade, como na propaganda, na política, na
religião, etc.
No que diz respeito à economia, há muita informação disponível
na mídia. Mas, a maioria esmagadora dessa informação é oferecida
ao cidadão de forma fragmentada, incompleta e/ou tendenciosa. E no caso
específico do GLP, trata-se de um indicador interessante, pois mais
do que a grande maioria dos produtos, é algo presente na vida
quotidiana de praticamente todo mundo. Além disso, diferente de
outras fontes de energia, como a elétrica, por exemplo, apresenta
uma variação maior dos preços. No entanto, o que encontramo na internet e na TV são notícias sobre eventos pontuais pouco esclarecedores.
Então, achei que seria interessante verificar o que os dados de
preços poderiam nos mostrar. Por isso, fui no site da ANP (Agência Nacional Petróleo, Gás Natural e Biocombustível) buscar os dados dos preços do GLP. E o que encontrei é bem interessante.
No infográfico (Fig. 1) plotei as curvas temporais dos preços
praticados pelo produtor (preço do produto que sai da refinaria) e
os preços do produto que chega ao consumidor para o Brasil e o Rio
Grande do Sul. É importante destacar que os valor correspondem a uma
média. Por isso, há localidades em que os valores podem estar acima
ou abaixo da curva. Além das curvas temporais dos preços, plotei em outro gráfico as
linhas de tendência para cada curva (Fig. 2).
Figura 1. Variação ao longo do tempo dos preços do gás liquefeito de petróleo (GLP) praticados pelo produtor e dos preços finais ao consumidor no Brasil e no Rio Grando do Sul (Fonte dos dados: ANP). |
Figura 2. Tendência temporal para o período analizado dos preços do gás liquefeito de petróleo (GLP) praticados pelo produtor e dos preços finais ao consumidor no Brasil e no Rio Grando do Sul (Fonte dos dados: ANP). |
Algumas coisas ficam claras ao olharmos para estas duas figuras.
Primeiro, fica nítido que o preço para o consumidor aumentou bem
mais que o preço praticado pelo produtor. Isso se deve ao fato de
que o preço praticado pelo produtor depende muito do próprio
produtor, neste caso o estado, que é o gestor da Petrobras e que
tem sua política de preços. Por outro lado, até que o produto
chegue ao consumidor passa por diversos intermediários com
interesses e critérios muito particulares, envolvendo relações comerciais diversas que contribuem para a
variação do preço.
Também fica claro que há mais instabilidade no preço do produto
que chega ao consumidor. Isso também se deve às relações comerciais dos diversos
intermediários já mencionados. E esses dois aspectos mostram como é
importante o papel regulador do estado na manutenção dos preços.
Os preços que chegam para o consumidor são mais afetados polos
fatores do mercado que dependem menos do estado. Por isso, a diferença entre os preços quando o produto sai do produtor e quando chega ao consumidor aumenta mesmo quando o preço praticado pelo produtor se mantém inalterado (Fig. 3).
Figura 3. Variação ao longo do tempo da diferança entre o preço praticado pelo produtor e o preço ue chega ao consumidor no Brasil e no Rio Grando do Sul (Fonte dos dados: ANP). |
Ainda, além das tendências gerais para cada curva, existem outras diferenças no comportamento dos preços praticados em diferentes períodos ao longo do tempo. Estas diferenças, como as anteriores, parecem claramente estarem associadas ao perfil político do governo ao longo da história recente. Infelizmente existem dados disponíveis apenas para os últimos três meses antes do governo de esquerda conduzido pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Esse período corresponde ao governo conduzido pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que se posiciona mais ao centro do espectro ideológico. Mas, mesmo esse curto espaço de tempo mostra uma maior instabilidade dos preços quando comparado com o período correspondente ao governo de esquerda do PT, que durou de janeiro de 2003 a agosto de 2016, quando a então presidenta da república Dilma Rousseff teve seu mandato interrompido formalmente pelo impeachment, considerado por uma parcela da população e do governo como um golpe de estado. Durante o período do governo de esquerda o preço praticado pelo produtor manteve-se virtualmente inalterado, enquanto o preço ao consumidor continuou aumentando (Fig. 1).
O governo seguinte ficou a cargo do então vice-presidente Michel
Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um
partido de centro-direita. É notável como a partir da gestão PMDB
os preços tornam-se mais instáveis e tendem a aumentar mais. Esta fase de aumento e instabilidade inicia na verdade um pouco antes
da troca de governo, e acompanha mais ou menos o período em que a
batalha pelo manutenção ou derrubada do cargo de Dilma Rousseff se
desenvolveu. Oficialmente o impeachment iniciou em dezembro de 2015 e
foi encerrado em agosto de 2016, com a cassação de de Dilma
Rousseff. Esse período ficou muito marcado pela atuação do
parlamento no sentido de impedir a governabilidade da presidenta. A falta de governabilidade pode tender a deixar a economia à deriva no mercado.
Note que entregar a gestão dos preços ao mercado, como defendem os políticos neoliberais, pode levar a uma instabilidade e a um problema muito
conhecido na economia. Após um evento negativo, como aumento de
demanda, que force o aumento dos preços, os preços tendem a se
manter altos em vez de voltarem aos patamares anteriores ao evento, mesmo que
o fator de elevação deixe de existir. Por isso, é inerente ao
mercado, devido ao conflito de interesses individuais, gerar uma
instabilidade dos preços e tender a empurrar os preços para cima.
Esta relação também encontra respaldo nos dados. A Figura 4 mostra como a proporção entre o preço praticado pelo produtor e o preço ao consumidor muda ao longo tempo. No início da curva não é possível falar em tendência por corresponder a um curto período de tempo. Entretanto, fica claro a instabilidade. Já durante o período do governo de esquerda o aumento progressivo da proporção se deve a um aumento maior do preço que chega ao consumidor, enquanto o preço no produtor mantem-se inalterado (Fig. 1 e 4).
Figura 4. Variação ao longo do tempo da razão (proporção) entre o preço final ao consumidor e o preço praticado pelo produtor no brasil e no Rio Grande do Sul (Fonte dos dados: ANP). |
Após a mudança de governo, nas gestões PMDB e PSL (Partido Social Liberal), a proporção da diferença entre os dois preços diminui (Fig. 4), o que indica um maior aumento do preço praticado pelo produtor, determinado pela política de preções do estado, gestor do produtor, que uma empresa estatal (Petrobras), em relação ao preço que chega no consumidor. E nesse caso, chegamos ao que me motivou a pesuisa: o aumento de preços praticados pelos governos atuais e anteriores. E fica a espectativa: como o mercado (e o preço ao consumidor) irá responder aos sucessivos aumentos praticados pelo estado nas últimas gestões? Afinal, o ajuste da economia não é automático, mas leva algum tempo.
Com base no discutido acima, é possível concluir que o estado tem um poder regulador maior sobre o preço do GLP, especialmente
porque seu foco não é a maximização dos lucros, como no caso de
uma empresa, que tem que lidar com várias relações comerciais bem menos reguladas pelo estado. Também é possível concluir que durante o governo de esquerda, quando há uma maior valorização do
papel do estado na economia e política de preços, os preços tendem
a se manter mais estáveis, mesmo os preços ao consumidor, que são
influenciados por muitos fatores externos ao estado. Já nos governos
mais à direita, quando o papel do mercado é mais valorizado em
detrimento do estado, os preços tornam-se mais instáveis e tendem a
aumentar mais.
NOTA: Este é um documento que irei atualizar periodicamente na medida em que forem disponibilizados mais dados no site da ANP. Também tentarei ampliar esta análise no sentido de incluir outros indicadores.