30 de mai. de 2020

Brasil: Epicentro!

Planeta Vírus (Arte: Leon Maximiliano Rodrigues)

O Contexto


A pandemia deu um susto na humanidade. Em pleno século XXI, na era da informação e de grandes avanços em todos os campos da ciência e da tecnologia simplesmente não foi possível antever uma crise como a atual. E está sendo um desafio gigantesco lidar com ela.

A pandemia da COVID-19 é o evento mais importante deste século até o momento, mas não é a única crise com a qual a humanidade está tendo que lidar. Antes do vírus SARS-CoV-2 emergir na China, o mundo já enfrentava uma grave crise econômica e política. Também vinham crescendo os dilemas impostos pela crise das mudanças ambientais globais, com grande atenção sobre as mudanças climáticas.

A crise da COVID-19 surge no final de 2019 para se somar e potencializar as crises já estabelecidas. Assim, temos um cenário que pode ser considerado catastrófico, com várias crises graves convergindo. É um período singular para a humanidade. Ao mesmo tempo tudo acontece justamente num período de grandes saltos tecnológicos e do conhecimento.

Vivemos uma etapa em que tudo está mudando muito rápido — e cada vez mais rápido —, a ponto de colocar em cheque a capacidade de nos adaptarmos. Isso tem feito emergir uma série de males na vida humana, como distúrbios de ordem psicológica e psiquiátrica. Nós não somos feitos, do ponto de vista biológico, para uma vida em alta velocidade. Precisamos de tempo para “sermos humanos”.

Por isso, a grande crise atual impõe um desafio de grandes proporções, e coloca em cheque a capacidade da sociedade se ajustar. São imensos os riscos dessa crise multidimensional. Há uma grande preocupação sobre como as nações estão lidando com os principais desafios impostos pela crise. O debate está em pleno curso e quase todas a perguntas estão em aberto.

Uma das informações mais divulgadas e debatidas são as curvas do número de casos confirmados e mortes por COVID-19 ao longo do tempo. Há uma preocupação com a “velocidade de espalhamento” do vírus na população e o debate sobre como “achatar a curva” de frequência de casos ao longo do tempo.

Mas, não seria melhor que a população fosse rapidamente contaminada e adquirisse a tal “imunidade de rebanho” rapidamente? Isso seria bom se não houvessem riscos associados ao grande aumento do número de casos graves.

Primeiro de tudo, a polêmica em torno desses assuntos vem do fato de que existe o consenso dentre os especialistas de que se o vírus se espalhar muito rapidamente na população de um dado país, ocorreria a concentração de muitos casos ao mesmo tempo. Isso poderia levar a um colapso no sistema de saúde, que não poderia dar conta da grande demanda por atendimento. E de fato é o que vem acontecendo em certos países, como na Itália (Europa) e no Equador (América do Sul). Assim, medidas de controle através do isolamento social seriam necessárias para frear a dispersão do vírus e ‘achatar a curva’ da evolução do número de casos (Fig. 1).

Figura 1. Modelo da dinâmica de espalhamento de uma doença infecciosa ao longo do tempo com (curva alta) e sem medidas de controle e prevenção (curva baixa) (Pires, 2020)⁠.

No caso da COVID-19, como em outras epidemias do passado, o isolamento social consiste na principal estratégia que orienta as medidas de controle preventivo. Mas, tais medidas são realmente necessárias? “É absolutamente necessário porque funcionou no passado”, diz o historiador e médico Howard Markel, da Universidade de Michigan, ao site Michigan News (Pires, 2020)⁠. Ele estudou os efeitos de respostas semelhantes em epidemias passadas.

Por outro lado, há muita polêmica na rede, e muitas informação contraditória. Possivelmente o que tem levado a tanta confusão e polêmica é a complexidade do problema. Como já mencionei, estamos lidando com um conjunto de crises que convergiram. Em meio à grande polarização ideológica, a crise política se mistura com a pandemia. E, ademais, a forma como a pandemia afeta a população varia bastante, tanto em função das condições sociais de cada cidadão, como da postura dos governos responsáveis por suas populações.

O que a Ciência nos Diz?


Para tentar entender um pouco mais sobre a atual situação da pandemia da COVID-19 no mundo, vamos dar uma olhada nos dados disponíveis sobre os números de casos e mortes confirmados. Para esta análise usei os dados do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC – European Centre for Disease Prevention and Control), que abriga um dos mais completos bancos de dados sobre a COVID-19. Também calculei uma média móvel para sete dias visando diminuir o efeitos dosd ruídos na curva de variação.

Primeiramente, destaco que a doença tem apresentado muita variação quando comparamos os diferentes países. E vamos ver que parte dessa variação é explicada pelo local onde a mesma iniciou, mas as principais diferenças podem estar ligadas a diferenças sociais, culturais e políticas entre as nações, algo já proposto em estudo do Imperial College London (ICL), como veremos.

Antes dos dados da ECDC, veja o gráfico dinâmico do site Flourish (Devex, 2020), que mostra os 10 países com maior número de casos de COVID-19 confirmados ao longo do tempo (Víd. 1). Note no gráfico que os países que se destacam no início são principalmente localizados na Ásia. Isso ocorre por que a doença surgiu lá, mais especificamente na China. Porém, ao longo do tempo os países do Ocidente (Europa e América) passam a desenvolver um maior número de casos, tendo os Estados Unidos disparado à frente e, mais recentemente, o Brasil em segundo.

Vídeo 1. Variação do número de casos de COVID-19 confirmados nos 10 países com maior frequência ao longo de tempo (Devex, 2020)⁠.

Curiosamente o Brasil e os Estados Unidos são países governados por dois presidentes que ficaram notórios por desprezar a importância da pandemia, minimizando seus efeitos e impondo um viés ideológico ao debate. Mas, a questão não se resume ao simples fato de estarem à frente nas contagens do número de casos confirmados. O problema é um pouco mais complexo e sensível.

No gráfico da Figura 2 vemos como o número de casos confirmados evoluíram ao longo do tempo em 9 países. Estes países foram selecionados para termos uma ideia de diferentes contextos culturais e políticos. É interessante como na China, onde começou a pandemia, a onda epidêmica foi bem menor que nos países ocidentais. Se considerarmos que a China e seus vizinhos foram surpreendidos, enquanto os demais países receberam o vírus muito mais conscientes do que estava acontecendo e com mais tempo para se prepararem, o que explicaria que no Ocidente os países estão tendo muita dificuldade para controlar o espalhamento do vírus?

Figura 2. Variação do número de casos de COVID-19 confirmados em 9 países: Brasil, China, Alemanha (Germany), Itália (Italy), Rússia, Coreia do Sul (South Korea), Reino Unido (United Kingdom) e Singapura.

E além de mais alta, as curvas dos países do Ocidente são mais alongadas, evidenciando que estes estão tendo dificuldades em controlar e as medidas adotadas não são tão eficientes. Bom… A maneira como coloco a situação pode dar a entender que estou sugerindo que os países do Ocidente têm algum problema “cognitivo” para lidar com crises. De certa forma é o que quero dizer. Mas, como assim? No gráfico, exceto os Estados Unidos, a Rússia e o Brasil, os demais países não superaram muito os da China.

Vamos lá então… Primeiramente, precisamos ter em mente que estamos falando de números absolutos, ou seja, o total de casos registrados em cada país. Porém, estamos comparando países com tamanho populacional muito diferentes. Como comparar, por exemplo, a China, que tem quase um terço da população do planeta, com o Reino Unido? Sem considerar as diversas particularidades de cada país, seria esperado que um país com população menor registre uma quantidade de casos da doença proporcionalmente menor.

Por isso, também confeccionei um gráfico com a “frequência relativa” do número de casos confirmados para ter um valor proporcional que permita uma comparação mais adequada. A Figura 3 mostra, então, a frequência relativa, que é a quantidade de casos para 1 milhão habitantes. Quando olhamos para este gráfico as diferenças ficam mais contrastantes. E Singapura, que antes era quase uma linha reta no fundo da área do gráfico, passa a se destacar.

Figura 3. Variação da frequência relativa do número de casos de COVID-19 confirmados em 9 países: Brasil, China, Alemanha (Germany), Itália (Italy), Rússia, Coreia do Sul (South Korea), Reino Unido (United Kingdom) e Singapura. />

Singapura é um exemplo interessante, pois foi um dos países que inicialmente obteve êxito ao lidar com a pandemia logo que a doença chegou lá. Porém, diferente da China e Tailândia, após conseguir certo controle da doença, relaxou o isolamento social. Por isso, o grande aumento tardio daquele país. Já nos países do ocidente, em nenhum caso houve eficiência. Todos tiveram algum grau de dificuldade, tendo que lidar com grandes surtos, o que é sugerido pela altura e amplitude das curvas.

Há também aqueles países que estão no meio do caminho, sendo influenciados tanto pelas culturas ocidentais como orientais, como a Rússia e Singapura. Para efeito desta comparação considerei estes como países que estão “lá e cá”. A Rússia, por exemplo, tem fortes traços culturais e biológicos ocidentais. Singapura, por sua vez, já foi um país dominado pelo Reino Unido — como Hong Kong, que é fortemente influenciado culturalmente pela Inglaterra, porém atualmente governada pela China..

Veremos que estes países, assim como suas culturas, apresentaram resultados intermediários.

As Mortes


Até aqui falamos sobre o número de casos confirmados. E quanto aos números de mortes? Os dados de óbitos podem revelar aspectos importantes sobre o problema. É justamente o número de morte que mais preocupa. Se a doença se espalhasse rapidamente, mas não oferecesse risco de morte, simplesmente nada precisaria ser feito. Bastaria deixar que se espalhasse e a onda de contaminação passasse rapidamente. Porém, não é o caso.

A Figura 4 mostra a quantidade de óbitos confirmados para os mesmos 9 países já analisados para o número de casos confirmados. Vemos que o formato da curva não é exatamente como o primeiro gráfico (Fig. 2), mas em geral mostra as mesmas tendências, exceto pela Itália e o Reino Unido, que apresentam curvas relativamente altas em comparação com os dados de quantidade total de casos.

Figura 4. Variação da número de mortes por COVID-19 confirmados em 9 países: Brasil, China, Alemanha (Germany), Itália (Italy), Rússia, Coreia do Sul (South Korea), Reino Unido (United Kingdom) e Singapura. />

Entretanto, para fazer uma comparação justa, assim como no caso do número total de infectados confirmados, precisamos obter a frequência relativa, ou seja, a quantidade de óbitos por milhão de habitantes. E quando olhamos para o gráfico com a frequência relativa (Fig. 5), notamos que Itália e Reino Unido superam todos os países em número de mortes. Estes também foram países em que os respectivos governos, ssim como Brasil e Estados Unidos, minimizaram a gravidade da pandemia no início.

Figura 5. Variação da frequência relativa do número de mortes por COVID-19 confirmados em 9 países: Brasil, China, Alemanha (Germany), Itália (Italy), Rússia, Coreia do Sul (South Korea), Reino Unido (United Kingdom) e Singapura. />

Por outro lado, Singapura, que apresentou um aumento súbito tardio, superando em muito as taxas de novos casos dos outros países, manteve o número de mortes bem baixo. Talvez, apesar do relaxamento no isolamento social, Singapura já estivesse plenamente preparado para tratar os casos mais graves, já que estavam lidando com a epidemia desde o início, em dezembro de 2019. E talvez por isso tenham relaxado o isolamento social propositalmente. Sobre isso, não consegui encontrar nada a respeito.

A forma como variou a COVID-19 (casos e mortes) em cada um dos 9 países permite deduzir relações interessantes. E apesar de minha análise ser muito especulativa, parece que não errei de muito longe o alvo. Diversos estudos publicados durante a pandemia pelo Imperial College London, do Reino Unido, além de outros, fornecem algumas evidências sobre as implicâncias do ritmo rápido de espalhamento do vírus na população e de como lidar com o problema. O que observamos nos gráficos desta análise concorda que estes estudos, como veremos a seguir.

Quanto aos riscos da doença para as pessoas, segundo Erik Volz, pesquisador do ICL, e colaboradores, existe uma heterogeneidade substancial no número de infecções secundárias decorrente do quadro dos pacientes (Volz et al., 2020)⁠. Muitas dessas infecções exigem cuidados médicos e internação. Por isso, se o aumento do número de casos, especialmente os mais graves, for muito rápido, muitas pessoas precisarão de atendimento hospitalar ao mesmo tempo, podendo sobrecarregar hospitais, inviabilizando o atendimento de todos que precisam.

Isso pode levar a outro problema. Além dos pacientes de COVID-19, pacientes de outras doenças, que normalmente já recorrem aos hospitais e ao sistemas de saúde como um todo, podem ficar privados de obter atendimento. Assim, a pandemia não levaria à morte só os pacientes de COVID-19, mas pacientes de diversas outras doenças. E, nesse caso, as famílias que possuem renda mais baixa ficariam mais vulneráveis, como indica o estudo feito por Peter Winskill e colegas (Winskill et al., 2020)⁠. Afinal, essas famílias dependem muitas vezes totalmente dos sistemas públicos.

Nos nossos dados vemos que em geral os países que tiveram maiores quantidades de casos registrados, também tiveram maiores quantidades de mortes, exceto alguns casos que vamos comentar. O primeiro deles são os casos da Itália e Reino Unido que, apesar de estarem mais ou mesmo nos mesmos patamares dos outros países europeus, dispararam em termos de quantidade de mortes. O que explicaria essa diferença? É difícil saber. Mas, a julgar pelas notícias, especialmente sobre a Itália, sabemos que os hospitais lá não deram conta da quantidade de pacientes em estado grave. Sabemos também que foram países onde os governos minimizaram a gravidade do problema inicialmente. O perfil etário da população também pode ser um agravante.

Por outro lado, nos Estados Unidos a “curva da morte” foi um pouco amenizada comparado com os dois países mencionados. No entanto, o país que mais chama a atenção é Singapura. Mesmo com o grande surto tardio registrado, o número de mortes é radicalmente mais baixo que os demais países que apresentaram grandes surtos da doença. De fato Singapura se iguala em número de mortes aos outros países do Oriente que tiveram curvas baixas tanto para o número de casos como para o número de mortes.

Uma relação semelhante é observada para a Rússia, apesar de menos contrastante, que apresentou curva de número de casos alta, mas a de morte bastante baixa, apesar de ainda estar aumentando.

Não se Trata só de Números!


Mas, então, além das diferenças nos números comentadas, no que esses países diferem em relação à pandemia e como essas diferenças explicam alguma coisa? No que diz respeito à origem da pandemia, que começou na China, os países orientais foram surpreendidos pelos surtos iniciais, enquanto os países europeus e principalmente os americanos tiveram a vantagem de ter mais tempo para se preparar para lidar com a pandemia. Então, por que foram justamente estes últimos países que tiveram mais dificuldades para controlar o espalhamento do número de casos? Singapura, por exemplo, que está entre os países que foram surpreendidos pela pandemia e teve um grande surto tardio, conseguiu manter o número de mortes bem baixo.

Voltando ao estudo de  Winskill e coletas (Winskill et al., 2020)⁠, foi identificado uma hierarquia nos fatores que regulam os impactos da pandemia na saúde e bem estar da população  (Fig. 6). Os fatores que afetam diretamente a saúde e bem estar de uma pessoa seriam fatores individuais, e englobam as circunstâncias materiais, os fatores biológicos, psicológicos e de comportamento das pessoas. Tais fatores determinam a probabilidade do indivíduo se expor, contrair o vírus, desenvolver sintomas e necessitar acesso ao sistema de saúde.

Figura 6. Determinantes sociais da saúde no contexto do COVID-19. Os “determinantes estruturais” (caixa azul) operam em diferentes escalas (socioeconômicas, políticas, individuais) e são o contexto em que as hierarquias sociais são moldadas. Esses “determinantes estruturais” conduzem os “determinantes intermediários” (caixa verde), que interagem com o sistema de saúde e afetam a saúde e o bem-estar de um indivíduo (caixa amarela) (adaptado de (Winskill et al., 2020)⁠.

Estes foram considerados no estudo como “determinantes intermediários”, pois estariam entre a população, que é afetada por eles, e os fatores controladores, os “determinantes estruturais”, que condicionam o acesso e a qualidade do “sistema de saúde”, bem como a qualidade de vida e o grau de exposição das pessoas ao ambiente de contágio. Já os fatores “controladores” englobam as condições sociais de cada indivíduo, incluindo renda, etnia, posição social, ocupação, gênero e educação. Também abrangem o contexto sociopolítico, que controlam os anteriores, e incluem a governança, as políticas e a sociedade (cultura) como um todo.

Assim, as medidas governamentais e a condição social das pessoas são os principais fatores. Vou resumir essa relação em um exemplo útil para o nosso assunto de interesse. Num país, por exemplo, onde o governo não assume a responsabilidade pelo controle da pandemia, incluindo as medidas para o achatamento da curva, possivelmente os demais fatores ficam prejudicados, como a atuação do sistema de saúde, que pode ficar sobrecarregado e depende do aporte e decisões do governo para funcionar.

A condição psicológica das pessoas também é fortemente afetada pelas condições sociais e a qualidade de vida, fatores dependentes do sucesso da gestão pública. Em outras palavras, onde o governo negligencia ou não consegue estabelecer um esquema eficiente de isolamento social e de medidas mitigatórias para as necessidades das pessoas em quarentena, a tendência será de que os leitos hospitalares não deem conta do número de pacientes.

E foi isso que aconteceu na Itália e no Equador, que estão entre as nações que mais sofreram com a pandemia até então. E é o que vemos indiretamente nos dados. O que permitiu os países do Oriente controlarem com eficiência o espalhamento do vírus foi a ação direta dos governos no sentido de estabelecer um forte isolamento social, o teste em massa da população exposta e o monitoramento eficiente dos indivíduos que mantiveram contato com infectados. Estas são ações que só podem ser implementadas de forma coordenada pelo estado.

Ainda sobre o estudo de Winskill e colegas (2020), verificou-se que pessoas mais pobres tendem a morar mais distantes dos locais de atendimento ao mesmo tempo em que são as que tem mais dificuldades em manter o isolamento social, além de outras desvantagens, como nutricionais. Estas pessoas são fortemente dependentes do estado para terem acesso a saúde e outros serviços básicos importantes.

Somando-se a essa perspectiva, modelos matemáticos sugerem que as táticas de isolamento social são necessárias, mas diferentes táticas levam a resultados diferentes, como mostra outro estudo do ICL. O estudo sugere que algumas medidas são mais eficientes que outras e a melhor eficiência resultaria de um conjunto de medias e não apenas a uma medida isolada (Fig. 7) (Ferguson et al., 2020)⁠.

Figura 7. Modelo da demanda de leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) devido à COVID-19 sob diferentes abordagens de isolamento social (Ferguson et al., 2020)⁠, in (Salles, 2020)⁠.

Brasil: Epicentro!


Mesmo com esse conhecimento disponível, no caso do Brasil, se as tendências verificadas no aumento do número de casos se manterem, como é possível visualizar nos gráficos (Fig. 3 e 5), o Brasil, além de ser o atual epicentro, como já constatado, poderá amargar as maiores taxas de contaminação e de mortes. O alerta já havia sido dado no início deste mês, com base em um estudo liderado pelo Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo (USP), e coordenado pelo professor e pesquisador Domingos Alves (Barrucho, 2020)⁠.

Como já verificado pelos estudos do ICL, as medidas governamentais, as condições econômicas e sociais dos cidadãos e as desigualdades sociais cumprem importante papel na forma como a pandêmica afeta a população de um país. Nesse sentido, o Brasil conta com um forte agravante, pois é um país com grandes desigualdades sociais, sendo a maior parte da população pertencente aos perfis sociais que são esperados serem os mais afetados, e tem à frente um governo que adota uma postura negligente em relação a gravidade do problema e estimula o abandono da quarentena.

Por outro lado, a China também é um país em desenvolvimento com grande desigualdades sociais. No que estes dois países são diferentes. Lá (China) o governo estabeleceu forte controle do isolamento social. Aqui (Brasil) o governo estimulou a violação da quarentena. Lá foram aplicados testes em massa e reastreio dos indivíduos que mantiveram contato com infectados. Aqui temos a menor taxa de testagem do planeta e nenhum tipo de rastreamento de indivíduos que mantiveram contato com infectados. COmo podemos esperar algum nível de controle do probelma?

Porém, apesar de importante, os dados não mostram tudo. Via de regra, há uma “subnotificação”, pois o registro de todos os casos não é possível, já que parte dos indivíduos infectados não desenvolve sintomas ou desenvolve sintomas leves (Fig. 8), que são frequentemente confundidos com outras doenças, como uma gripe leve. E há frequentemente uma incapacidade de implantar testes em massa que possibilita garantir a verificação de todos os infectados.

Figura 8. Espectro de casos COVID-19. No topo da pirâmide estão os casos graves ou críticos, segundo os critérios de da OMS (Organização Mundial da Saúde), provavelmente identificados no ambiente hospitalar, apresentando pneumonia viral atípica. Uma parte destes casos resultam em óbitos. Logo abaixo do topo da pirâmide estão os casos sintomáticos (isto é, com febre, tosse ou mialgia), que podem eventualmente exigir hospitalização. A parte inferior da pirâmide representa casos leves (e possivelmente assintomáticos) (Verity et al., 2020)⁠.

E no caso de alguns países, como o Brasil, a quantidade de kits de teste é extremamente pequena, sendo os mesmos utilizados mais na testagem de pacientes mais graves, que recorrem aos hospitais. Por isso, é esperado que o número total de casos seja maior que o registrado, podendo ser muitas vezes mais em alguns países. É o que mostram diversos estudos feitos através de diferentes abordagens (Barrucho, 2020)⁠. Soma-se a isso o fato de que muito óbitos são registrados antes que se obtenha o resultado do teste. Isso faz com que muitas mortes por COVID-19 sejam registradas com causa desconhecida ou alguma doença de diagnóstico parecido, levando também a uma sbnotificação das mortes.

Por isso, a diferença observada nos gráficos entre os países do Ocidente, que tiveram grandes surtos e maiores taxas de óbitos, e os do Oriente pode ser maior ainda. Por um lado uma das coisas que permitiu o controle da curva no Oriente foi justamente a capacidade de aplicar testes em massa, enquanto no Ociedente isso se revelou uma limitação. E o Brasil é um dos países com a menor taxa de testagem no mundo.

Lições


Muitas são as lições que podemos depreender da análise feita. No entanto, me reservo o capricho da prudência e me atenho ao que é mais saliente no relevo dos dados e fatos.

Como vimos nos gráficos, o Brasil já está cruzando a linha dos países que concentram as maiores quantidades de casos e óbitos tanto em termos absolutos como relativos. E no caso das mortes o Brasil já é provavelmente o país com as maiores taxas de mortalidade devido a COVID-19.

Entender o que permitiu os países do Oriente controlar melhor os surtos, por um lado, e manter as baixas taxas de óbito, por outro, e o que tem impedido os países do ocidente em obter maior sucesso no controle da pandemia pode, portanto, resultar numa lição importante e fornecer informações fundamentais para futuros eventos epidêmicos. É evidente que tais diferenças não se devem a somente às vocações políticas e ideológicas dos países, dois aspectos fundamentais no enfrentamento de uma crise, mas possivelmente a fatores culturais — e logísticas associadas — melhor desenvolvidos no Oriente.

E no caso particular do Brasil, uma das lições que podemos tirar é que o país reúne todas as condições para lidar com a pandemia de forma ineficiente, incluindo a grande desigualdade social na população, a ausência de uma cultura de organização para lidar com crises graves e um governo negligente.

Leon Maximiliano Rodrigues

Referências


Barrucho, L. 2020. Brasil: o novo epicentro da pandemia de coronavírus? BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52732620
Devex. 2020. Countries with the most number of COVID-19 cases. Flourish. https://public.flourish.studio/visualisation/1627129/?utm_source=embed&utm_campaign=visualisation/1627129
Ferguson, N. M., Laydon, D., Nedjati-Gilani, G., Imai, N., Ainslie, K., Baguelin, M., Bhatia, S., Boonyasiri, A., Cucunubá, Z., Cuomo-Dannenburg, G., Dighe, A., Dorigatti, I., Fu, H., Gaythorpe, K., Green, W., Hamlet, A., Hinsley, W., Okell, L. C., Van Elsland, S., Thompson, H., Verity, R., Volz, E., Wang, H., Wang, Y., Gt Walker, P., Walters, C., Winskill, P., Whittaker, C., Donnelly, C. A., Riley, S., Ghani, A. C. 2020. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Imperial College London, 1–20. https://doi.org/10.25561/77482
Pires, F. 2020. Achatando a curva do COVID-19: O que significa e como você pode ajudar? Michigan News. https://news.umich.edu/pt-br/achatando-a-curva-do-covid-19-o-que-significa-e-como-voce-pode-ajudar/
Salles, S. 2020. Matemática prevê cenários para covid-19 e muda rumo de governos – Jornal da USP. Jornal Da USP. https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/matematica-preve-cenarios-para-covid-19-e-muda-rumo-de-governos/
Verity, R., Okell, L. C., Dorigatti, I., Winskill, P., Whittaker, C., Imai, N., Cuomo-Dannenburg, G., Thompson, H., Walker, P. G. T., Fu, H., Dighe, A., Griffin, J. T., Baguelin, M., Bhatia, S., Boonyasiri, A., Cori, A., Cucunubá, Z., Fitzjohn, R., Gaythorpe, K., Green, W., Hamlet, A., Hinsley, W., Laydon, D., Nedjati-Gilani, G., Riley, S., Van Elsland, S., Volz, E., Wang, H., Wang, Y., Xi, X., Donnelly, C. A., Ghani, A. C., Ferguson, N. M. 2020. Estimates of the severity of coronavirus disease 2019: a model-based analysis. The Lancet Infectious Diseases, 20(6), 669–677. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30243-7
Volz, E., Baguelin, M., Bhatia, S., Boonyasiri, A., Cori, A., Cucunubá, Z., Cuomo-Dannenburg, G., Donnelly, C. A., Dorigatti, I., Fitzjohn, R., Fu, H., Gaythorpe, K., Ghani, A., Hamlet, A., Hinsley, W., Imai, N., Laydon, D., Nedjati-Gilani, G., Okell, L., Riley, S., Van Elsland, S., Wang, H., Wang, Y., Xi, X., Ferguson, N. M., Ferguson, N. M. 2020. Report 5: Phylogenetic analysis of SARS-CoV-2. Imperial College London, 1–8. https://doi.org/10.25561/77169
Winskill, P., Whittaker, C., Walker, P., Watson, O., Laydon, D., Imai, N., Cuomo-Dannenburg, G., Ainslie, K., Baguelin, M., Bhatt, S., Boonyasiri, A., Cattarino, L., Ciavarella, C., Cooper, L. V, Coupland, H., Cucunuba, Z., Van Elsland, S. L., Fitzjohn, R., Flaxman, S., Gaythorpe, K., Green, W., Hallett, T., Hamlet, A., Hinsley, W., Knock, E., Lees, J., Mellan, T., Mishra, S., Nedjati-Gilani, G., Nouvellet, P., Okell, L., Parag, K. V., Thompson, H. A., Juliette, H. Unwin, T., Vollmer, M., Wang, Y., Whittles, L., Xi, X., Ferguson, N., Donnelly, C., Ghani, A. 2020. Report 22: Equity in response to the COVID-19 pandemic: an assessment of the direct and indirect impacts on disadvantaged and vulnerable populations in low-and lower middle-income countries. Imperial College London, 1–21. https://doi.org/10.25561/78965


8 de mai. de 2020

Por que Fazer Divulgação Científica?

Explorando as fronteiras planetárias. Arte por: Leon Maximiliano Rodrigues

Através deste blog (e canal homônimo) venho compartilhar onteúdos sobre meio ambiente, sustentabilidade, ecologia e outros assuntos relacionados. E para falar sobres estes temas, precisamos falar também sobre “ciência”. Afinal, o “meio ambiente” é formado por tudo o que está à nossa volta e que de alguma maneira afeta nossa vida.

Parece óbvio. Mas, pense bem. Para podermos entender sobre meio ambiente e ecologia precisamos ir bem além de onde os 5 sentidos humanos podem alcançar. Ou seja, precisamos potencializar nossos sentidos e o alcance de nossa percepção para escalas espaciais mais amplas, como fazemos, por exemplo, com um telescópio, e escalas mais reduzidas como fazemos, por exemplo, com um microscópio.

Também precisamos entender sobre escalas tempo diferentes, como fenômenos que ocorrem muito rapidamente, como fazemos com o uso de radares para estudar descargas elétricas de um raio em uma tempestade, ou fenômenos que ocorrem em escala de tempo muito longas, como os fenômenos geológicos ou as glaciações, etc.

Há ainda uma terceira categoria de escala que só mais recentemente se tornou uma preocupação recorrente na ciência. Trata-se do nível de organização de um sistema. Nesse sentido, precisamos conseguir entender níveis de complexidade cada vez maior para podermos explicar os problemas ambientais que também aumentam em abrangência e complexidade na medida em que a degradação do planeta se agrava.

E isso só tem sido possível graças aos avanços tecnológicos, que tem nos permitido implementar sistemas de amostragem e coleta e análise de dados complexos, assim como analisar características físicas, químicas e biológicas dos sistemas vivos (e não-vivos) que até bem pouco tempo atrás — estamos falando de décadas — não eram possíveis. Esse é o caso dos grandes avanços nos estudos sobre o funcionamento da mente, os estudos sobre os ecossistemas e a biosfera e, mais recentemente, o que vem sendo denominado de “Astrobiologia”, que é o estudo da vida ou, mais precisamente, considerando o atual estado da arte, a possibilidade dela fora da terra.

E o único caminho que a humanidade encontrou para conseguir essa amplificação do nosso sistema sensorial e nossa mente foi através dos “sentidos” da Ciência. Através do método científico conseguimos avanços tecnológicos importantes para a humanidade. E hoje nos tornamos uma sociedade totalmente dependente da ciência para tudo o que fazemos. E virtualmente não há como voltar atrás.

Por isso, a ciência tornou-se conteúdo indispensável na educação formal e informal das pessoas. Não é por acaso que tanto a mídia tradicional como as novas mídias interativas apresentam um amplo cardápio de conteúdos que de alguma maneira falam sobre ciência. De fato há muitos canais, páginas e sites “distribuindo” informações sobre ciência. Contudo, raramente vemos a ciência sendo divulgada com a intenção de informar suas descobertas visando construir com o debate necessário na sociedade para viabilizar sua aplicação construtiva.

O resultado é que raramente o conhecimento científico é usado como ferramenta útil para informar sobre a realidade ou responder questões relevantes. E quando isso acontece, é quase sempre feito de forma precária e frequentemente tendenciosa. Há sempre uma dificuldade das pessoas enxergar as aplicações da ciência em suas realidades.

Porém, o fato de que vivemos numa sociedade cada vez mais dependente da Ciência para todas as suas tarefas implica que o cidadão precisa entender a ciência. E quem não for minimamente alfabetizado em ciência tenderá a ser cada vez mais excluído. Em outras palavras, terá dificuldades em ter acesso àquilo que nos permite viver com uma qualidade de vida melhor no mundo atual.

Além disso, boa parte da informação científica não é transmitida de forma completa ou clara. Isso pode ocorrer por falta de preparo de quem escreve uma matéria ou um roteiro ou intencionalmente, por várias razões, sejam elas políticas, comerciais, etc. Isso é chamado frequentemente de desinformação. Nesse caso, quais filtros o autor usou? E por que?

Informações incompletas podem ser mal interpretadas. Uma informação solta, isolada, sem contexto, pode ser usada de forma tendenciosa. Esse é o caso, por exemplo, da atual pandemia. Em alguns países, como no caso do Brasil e Estados Unidos, os respectivos governos minimizaram a gravidade do problema e argumentaram que bastaria o isolamento vertical, que significa tomar as medidas extremas de isolamento somente para os grupos de risco (idosos, hipertensos, asmáticos, etc.).

É claro que existem grupos de risco, que abrangem as pessoas mais vulneráveis à doença. Mas, esta informação por si só não é suficiente para embasar uma decisão. Existir um grupo de risco não significa dizer que são as únicas pessoas suscetíveis a serem infectadas pelo SARS-CoV-2. E as pessoas que não são do grupo de risco podem contaminar aquelas do grupo de risco. E isso é obviamente esperado uma vez que, por exemplo, um idoso normalmente recebe cuidados de um adulto ou jovem. Simplesmente não é possível isolar totalmente essas pessoas.

E foi por isso que diversos países que adotaram inicialmente o isolamento vertical, como os Estados Unidos, a Itália, a Suécia, a Holanda, dentre outros, voltaram atrás. Estes países tiveram, inclusive, que adotar medidas extremas de isolamento porque a doença se alastrou muito rapidamente sem um forte isolamento social no início.

Colocar na rua a população que não é de risco significa manter o fluxo de pessoas ativas (adultos e jovens) normal. Em outras palavras, muda muito pouco em termos de isolamento social.

Esse tipo de desinformação é relativamente comum e, como no caso da pandemia, pode ter consequências irreparáveis. Por isso, o trabalho de “divulgação científica” é importante para fazer a ponte entre as descobertas científicas e a sociedade. E é fundamental que aqueles que pretendem divulgar o conhecimento científico não atuem como meros reprodutores de informações. Isso é bastante comum — quase uma regra — nos conteúdos que trazem informações científicas nas mídias em geral. É o que chamamos de Ciência “Gee Whiz” — falaremos sobre isso em outro texto.

Há quase sempre uma busca por formatos que causem espanto, surpresa ou encantamento ao ingênuo, em particular sobre novas tecnologias. Bom... Causar esse tipo de impacto é bom, pois precisamos atrair de alguma forma a atenção das pessoas. Mas, quase nunca vemos um conteúdo científico sendo transmitido de forma crítica e contextualizada.

Isso faz com que a Ciência se torne muito mais um objeto de entretenimento ou instrumento de manipulação do que uma ferramenta para  o desenvolvimento humano e social no planeta. Nesse sentido, quando encontramos um conteúdo sobre ciência e tecnologia, algumas perguntas fundamentais deveriam ser feitas, como: Quais os impactos do conhecimento ou tecnologia ao ser aplicado? Como um novo conhecimento afeta nossas vidas? Quem será beneficiado e quem será prejudicado?

Quero dizer que o conhecimento por si só não é mais que uma matéria bruta, que carece de significado. Para que seja útil à sociedade precisa passar pela lapidação da crítica social, da avaliação ética e técnica de seus benefícios e prejuízos para a sociedades, as pessoas e o meio ambiente.

Porém, há um grande desafio a ser superado. Por um lado, a ciência avança cada vez mais rápido e a quantidade de conhecimento produzida aumenta de forma esmagadora. Por outro lado, a cultura da sociedade não evolui na mesma velocidade e intensidade. O resultado desse descompasso é um abismo cada vez maior entre ciência e a sociedade. E uma incapacidade cada vez maior da sociedade incorporar as novas tecnologias e conhecimentos de forma eficiente, produtiva e construtiva, prevalecendo frequentemente critérios econômicos ou de poder nas decisões que afetam as aplicações da ciência.

Como consequência, a sociedade vem acumulando um passivo gigante em termos dos efeitos colaterais negativos das tecnologias e sistemas decisórios sobre o ambiente humano e natural, a saúde humana, a economia real e o planeta onde vivemos. Esse passivo se traduz na convergência atual das diversas crises globais: mudanças climáticas, crise da economia global, crise da política e das relações internacionais e mais recentemente a crise da COVID-19 — estes são assuntos para outros textos.

Por isso, precisamos cada vez mais de veículos e pessoas dedicadas a traduzir e transmitir o conhecimento científico ao público em geral, assim como programas que incorporem a ciência como disciplina transversal na educação formal e informal. Isso é necessário para que a sociedade incorpore a ciência na cultura e modus operandi e seja instrumentada com os filtros adequados para receber o que as indústrias e governos tentam lhes oferecer. E isso deve ser feito da forma mais digestiva e crítica possível.

Como não dá para esperar que todo mundo faça uma pesquisa cuidadosa para verificar a credibilidade e a veracidade das informações o tempo todo. E como o sistema educacional ainda não oferece uma alfabetização científica adequada, canais de “divulgação científica” ou que incluam a “divulgação científica” em seus conteúdos, além de outros meios de comunicação, podem contribuir para essa tarefa.

Por isso, com a intenção de dar minha pequena contribuição para este grande processo, trago um blog (e canal) de “divulgação científica”, buscando oferecer conteúdos que de alguma forma contribuam para a conexão entre Ciência a Sociedade.

Sejam bem vindos ao Jornal Explorator!

E a não ser que não concordem com nossos conteúdos, contribua com a divulgação e alcance compartilhando nos textos e vídeos.

Grato por ter chegado até aqui na leitura!

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20 de mar. de 2020

Coronavirus e o Despreparo do Brasil

Figura 1. Painel interativo desenvolvido pelo Centro de CIência de Sistemas e Engenharia da Universidade de Hopkins (EU). 

O Brasil está acordando devagar...    

Modelos matemáticos e fatos concordam. O avanço da pandemia é inevitável. Porém, o ritmo de aceleração da dispersão do virus pode ser regulado pelas medidas de contingência já bem conhecidas.


A mais certa e importante atitude é o isolamento social, segundo especialistas. A ciência ainda sabe muito pouco sobre o virus. Não existe uma cura médica. E as que surgirão precisarão de pelo menos 2 anos de testes até serem introduzidas para uso na sociedade.

A curas que tem acontecido se devem às próprias características individuais dos pacientes. Por isso, aquele s que fazem parte dos grupos de risco contam com a própria sorte, caso sejam infectados. Sorte do organismo resistir e sorte de conseguirem leito para internação, caso a pandemia avance mais rápido do que o sistema de saúde suporte.

A julgar pela postura de nossos governantes, não contaremos com muita eficiência do Brasil para lidar com a pandemia que está apenas no início da curva de aceleração. Noutras palavras, o pior ainda está por vir...

O artigo da revista Science  de Li e colaboradores (2020) destaca que o grande número de casos não documentados ajudam a impulsionar a explosão da dispersão do virus. O que pensar de uma país com um sistema de saúde e fiscalização tão depauperado como o Brasil?

Diferente dos cenários terríveis da Europa e Estados Unidos, a Korea do Sul tem conseguido resultados surpreendentes, os quais incluem um sistema eficiente e abrangente de monitoramento dos casos a partir de testes aplicados na população e medidas rápidas de isolamento social, tanto de infectados como da população em geral, como mostra a matéria de Dennis Normile (2020), publicado no site da Science.

Enquanto isso, o governo brasileiro parece ter escolhido seguir o exemplo do seu maior afeto, os Estados Unidos. O que esperar, então, para o Brasil? Os dados não dão margem para dúvidas (Fig. 2). Estamos apenas no início da curva, como mostram os gráficos gerados pelo GDISPEN (Grupo de Dispersão de Poluentes & Engenharia Nuclear), da UFPel. A fase de aceleração geométrica, a mais difícil, ainda está por vir. Só uma singularidade poderia mudar o rumo do que está se configurando no Brasil.

Gráfico da evolução temporal do coronavírus atualização em 18 de março de 2020 (Fonte: UFPel).

Para uma visualização dos casos pelo mundo e os dados para cada país em tempo real, o Centro de Ciência de Sistemas e Engenharia da Universidade de Hopkins (EU) desenvolveu um painel interativo, baseado na Web, para rastrear COVID-19 em tempo real (Fig. 1).

Referências:

Li, R., Pei, S., Chen, B., Song, Y., Zhang, T., Yang, W., Shaman, J. 2020. Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science.

Normile, D. 2020. Coronavirus cases have dropped sharply in South Korea. What’s the secret to its success?

6 de jan. de 2020

Ana Primavesi - A Senescência de Uma Flor Deixa uma Semente de Esperança


Ana Maria Primavesi (Fonte: Revista Attalea Agronegócio).

“Ficamos cientes de que, onde a técnica se choca com as leis naturais, a natureza é que prevalece e domina. Devemos, portanto, reconhecer e aceitar esses limites, fazendo o máximo possível em favor da nossa terra.” (Ana Primavesi)

Ana Maria Primavesi — seu nome austríaco: Annemarie Conrad —, engenheira agrônoma brasileira nascida na Áustria faleceu ontem (05/01/2020). Assim, começamos 2020 com um pilar a menos na luta pela conservação da vida.
Inspirada pelo pai, Sigmund, um dos melhores criadores de gado da Áustria, interessou-se pela lida das terras que circundavam o castelo em que moravam (chamado Pichlhofen) (Knabben, 2019). Segundo Knabben (2019), cursar agronomia foi uma continuidade do que já vivia em casa, uma vida ligada ao trabalho do campo, conectada à natureza.
Ana e Artur Primavesi (seu marido e colaborador) no laboratório da Universidade de Santa Maria, 1962 (Knabben, 2019). O casal foi importante no pioneirisma da Agroecologia.

Ana Primavesi foi e será uma das grandes influências na ciência e na conservação de solos. Através de seu trabalho propôs que o solo fosse entendido com um importante "sistema vivo", visão que vai contra a percepção convencional da agricultura moderna, em que o solo é meramente um suporte para o desenvolvimento da planta, passível de manipulação tal qual uma máquina ou uma receita de bolo.
Livro de Ana Primavesi publicado em 2016, sendo uma de suas últimas contribuições.

Ao entender o solo como um sistema vivo, passamos entender que não é algo estático, mas que evolui com o tempo, através das interação de seus diversos componentes, incluindo os animais invertebrados do solo, os microorganismos (fungos e bactérias), e mesmo as plantas que interagem profundamente com o solo através de suas raízes.
Livro de Ana Primavesi de 1964. Como cientista percebeu desde o início da grande aceleração industrial da sociedade que a humanidade escolheu um caminho errado.

Muito além disso, entretanto, o sistema que promove a fertilidade e estrutura de um solo envolve todo o ecossistema que se desenvolve nele e promove as interações que fazem o solo ser o que é. Assim, se existe um solo fértil numa lavoura, é porque antes existia ali um ecossistema. Ao "limpar" o solo, removendo a vegetação, que culturalmente passamos a considerar um inconveniente, removemos componentes importantes que faziam parte do sistema que promovia a qualidade do solo.
O resultado é que o solo vai gradativamente perdendo sua fertilidades e estrutura. A biodiversidade (fauna e microbiota) do solo vão sendo gradativamente perdidas, levando a uma progressiva incapacidade do solo de manter suas características, como fixação de nutrientes, capacidade de infiltração e retenção de água, etc.
Primavesi anteviu para o solo o mesmo que vem sendo discutido atualmente para o planeta inteiro: a importância da vida e dos sistemas vivos para a manutenção da habitabilidade do planeta. Por isso, promoveu através de seus trabalho a produção de conhecimentos sobre o manejo ecológico e sustentável dos solos.
Livro de Ana Primavesi de 2002.

Ana Primavesi partiu. Mas, deixa um legado importante para a gestão dos solos e para a sustentabilidade humana na Terra. Desejamos que seu legado ganhe o poder de influência que as futuras gerações merecem.

Ana Maria Primavesi (Fonte: Jornal Opção).

Referências

Knabben, V. M. 2019. A extraordinária história de vida de Ana Maria Primavesi. Estudos Avançados, v. 33, n. 96, p. 459-476.

4 de jan. de 2020

Mais é Menos

Logo do movimento Slow Science (Fonte: RING).

“Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não tuitamos. Nós necessitamos do nosso tempo.” (SLOW-SCIENCE.org)

Parece que a avalanche de informações em que estamos imersos atualmente, ao contrário do que se podia imaginar, tem sido um obstáculo para a Ciência. Pelo menos é o que diz a professora Uta Frith, pesquisadora alemã que atua no Instituto de Neurociência Cognitiva da University College London.

Professora Uta Frith (Fonte: LifeWatch).


Segundo Frith (2019), a grosso modo, há muita coisa sem relevância sendo publicada, seja por ser mais do mesmo, seja por ser superficial, sem sólida base metodológica. De fato, há uma grande pressão para que os pesquisadores, em todo o mundo, geram certa produtividade em termos de volume de publicações. Isso tem levado muitos pesquisadores a valorizarem a quantidade de artigos publicados em vez da qualidade de suas publicações.
O resultado é que, ao fazermos um levantamento sobre determinado tema, seja para uma revisão ou para formar a argumentação numa análise dados, encontramos uma quantidade enorme de publicações. Fica difícil filtrar o que é relevante e útil para a pesquisa. E frequentemente ficam de fora referências que poderiam trazer contribuições importantes.
Frith defende o que vem sendo denominado como slow science ― em tradução literal: 'ciência lenta' ― em oposição à fast science ― assim como o fast food está para a alimentação. Trata-se de uma concepção em que o que importa é a qualidade e não a quantidade. Uma boa publicação pode dizer mais que várias publicações ruins. E isso tem muito a ver com a própria Ciência: ‘dizer muito falando pouco’.
De acordo com Fernando Nogueira da Costa (2011), professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP (IE-UNICAMP), o movimento Slow Science defende o direito de cientistas fugirem da corrida pelo grande número de publicações e priorizarem qualidade da pesquisa.

Professor Fernando Nogueira da Costa (Fonte: Terraço Econômico).


Uta Frith não está sozinha. Isabelle Stengers, uma importante cientista e filósofa belga, muito influente nos adeptos da ciência da complexidade, também defende a “ciência lenta”, o que pode ser conferido em sua obra recente “Another Science is Possible: A Manifesto for Slow Science” (Stengers, 2018).
Professora Isabelle Stengers (Fonte: maquiavel)


Há dois problemas com a fast science: (1) a pressão por “produtividade”, tendo como principal critério avaliativo a “quantidade”, tem levado a uma enorme quantidade de artigos e periódicos de baixa qualidade ― os chamados “periódicos predatórios” ― os quais inundam as bases de dados e sistemas de pesquisa em rede; (2) torna-se cada vez mais difícil distinguir entre publicações e autores com credibilidade e duvidosos.
O pesquisador acaba se deparando com um grande trabalhoso desafio, que é a tarefas de buscar suas referências, avaliar o que é relevante e também o que digno de credibilidade e filtrar. Só então poderá reunir as referência que poderá utilizar. Na verdade não é exatamente assim que a coisa acontece. Coloquei dessa maneira apenas para ser didático. Na verdade todas essas tarefas acontecem ao mesmo tempo. Mas, dá para imaginar como o trabalho fica mais difícil e demorado quando temos que lidar com um volume grande de publicações que oferecem muito pouco em termos de informação relevante.
Neste sentido, a Ciência pode se tornar mais inteligente (e eficiente). Assim, mais do que gerar dados e publicações, que resultem em impacto em seus currículos, os cientistas deverão dedicar tempo para analisar os dados e informações visando extrair o máximo de seus estudos e, assim, obter publicações que gerem maior impacto real no conhecimento científico.

Referências

da Costa, F. N. 2011. Manifesto da Slow Science. Blog Cidadania & Cultura.
Frith, U. 2019. Fast Lane to Slow Science. Trends in Cognitive Sciences, 2020, v. 24, n. 1, p. 1-2.
Stengers, I. 2018. Another Science is Possible: A Manifesto for Slow Science. John Wiley & Sons,  Hoboken - NJ, 220p.