2 de fev. de 2017

Transgênicos, Saúde, Ambiente, Economia e Sustentabilidade – A Fragmentação de Vida


Oca no Rincão Gaia (Fundação Gaia). Local onde funcionou a escola pioneira de agroecologia fundada na década de 1980 pelo agrônomo e ambientalista José Antônio Lutzenberger, pioneiro no movimento ambiental e na luta contra o uso de agrotóxicos no Brasil. (Foto: Leon Maximiliano Rodrigues)
 No início do avanço dos transgênicos  um tipo de “organismos geneticamente modificados” (OGMs) na agricultura pelo Brasil e pelo mundo, em meados da década de 1990, o debate girava em torno dos possíveis impactos do uso de transgênicos sobre a saúde humana. Na época nada se sabia sobre a questão. E as corporações econômicas que investiam nessa tecnologia justificavam a adoção sistemática dos OGMs na agricultura pelo fato de não causarem mal à saúde humana e melhorarem a produtividade (trataremos deste último aspecto em outro texto).
Entretanto, o debate sobre os impactos dos OGMs na saúde era de certa forma bem vindo, pois desviava o foco de outro problema associado a essa tecnologia: o controle sobre o mercado de sementes e agrotóxicos. Assim como com as variedades híbridas, a adoção de OGMs tirava do agricultor o domínio sobre as sementes, defencivos e técnicas, colocando esse domínio nas mãos de grandes corporações multinacionais e tornando o agricultor dependente dessas corporações. O debate sobre a questão dos efeitos sobre a saúde também desviava a atenção em relação a outro tema preocupante no meio científico: os impactos ambientais da adoção em escala mundial dos OGMs sobre a biodiversidade de cultivares tradicionais. O cultivo transgênico substituiu rapidamente os cultivares tradicionais de soja no mundo inteiro, tornando praticamente inviável um agricultor retornar ao cultivo de variedades tradicionais, que haviam praticamente desaparecido.
Existem alguns problemas associados a esse processo — não vou discutir todos, mas os relevantes para a presente discussão. Primeiro, deve ser entendido que uma variedade transgênica é desenvolvida em laboratório e possui baixa variabilidade genética. Uma planta com baixa “variabilidade” genética possui baixa capacidade de se adaptar à “variabilidade” do ambiente, como mudanças climáticas ou a emergência de doenças ou pragas novas ou incomuns. Por isso, depende de forte intervenção do agricultor com o uso de defensivos. Porém, para se desenvolver uma variedade em laboratório, a base biológica para o experimento deve ser buscada nos cultivares tradicionais já existentes, os bancos genéticos da biodiversidade. Então, quando a variedade de laboratório introduzida perder produtividade o que normalmente acontece com esse tipo de organismo ao longo dos anos , uma nova variedade deverá ser desenvolvida para substituí-la. Contudo, se os cultivares tradicionais foram substituídos, onde os cientistas irão buscar suas amostras para os novos experimentos se não existe mais o banco genético?
Resumidamente estou falando de “erosão genética” na agricultura causada pela introdução de variedades geneticamente homogêneas produzidas em laboratório. Esse é um dos maiores problemas ambientais com os quais a humanidade terá que lidar e será tratado melhor em outro texto. Mas, recentemente o velho assunto  impactos dos OGMs à saúde humana  foi reacendido devido a estudos e alertas da comunidade científica, os quais tem como principal protagonista a bióloga Stephanie Seneff, do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial (Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory – CSAIL) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology – MIT). Tais e alertas apontam para evidencias de relações entre o uso de alimentos baseados na soja transgênica com a incidência de Alzheimer, autismo, câncer, doenças cardiovasculares e deficiências da nutrição, além de outros (1). Isso é bastante alarmante. Porém, a causa primária do problema não são os OGMs em si, mas o “agrotóxico” para o qual o organismo foi modificao para resistir: o “glifosato”, princípio ativo contido no Round-Up, agrotóxico da Monsanto (2), a mesma dona da semente da planta na qual o veneno é usado.
É no mínimo curioso que volumosos recursos financeiros tenham sido investidos para desenvolver um organismo transgênico para que ele resista a um veneno. Por que não desenvolveram uma planta resistente ao ataque de pragas? Assim seria evitado ou reduzido a necessidade de uso de agrotóxicos, tornando a produção mais barata e mais limpa saudável. A resposta é óbvia... A questão não é ser a favor ou contra OGMs. Muitos benefícios podem advir dessa tecnologia, como o desenvolvimento de vacinas (3). Cada caso, ou seja, cada organismo novo desenvolvido em laboratório deve passar por um processo de avaliação em relação a diversos critérios importantes, como possíveis impactos na saúde, no meio ambiente, na economia do mercado e das pessoas, etc. E isso exige ações de longo prazo, incluindo experimentos de longa duração, monitoramento de populações-teste em pequena escala em laboratório e a ação conjunto de especialista de distintas áreas. Porém, isso leva um tempo e custos que o mercado não quer lançar mão.
Bom. Se tudo o que foi discutido acima procede, a adoção da soja transgênica trouxe impactos permanentes em vários setores em nível global e local: na economia das comunidades agrícolas e das empresas que produzem esses organismos, além da cadeia ligada a elas; no meio ambiente, com sérias consequências para o futuro da produção de alimentos (esse é um assunto para outro texto mais à frente); nas relações de mercado e controle da tecnologia, que eram dominantemente centradas nas comunidades de agricultores e agora concentra-se nas corporações multinacionais donas das patentes; e finalmente na saúde humana. E nesse último caso, apesar das consequências preocupantes para nós humanos, para a economia de mercado trás grandes benefícios, pois aumenta o PIB das nações. Além do ganho das multinacionais, aumenta de forma considerável a necessidade de busca pelos agricultores por tecnologias compatíveis com a produção OGMs e por serviços de financiamento para pagar as multinacionais e a cadeia ligada a elas. Aumenta o PIB (Produto Interno Bruto) também porque gera uma demanda considerável tanto dos agricultores (produtores) como dos consumidores por serviços de saúde devido aos impactos já mencionados, movimentando o setor e o mercado de remédios, um dos dos mais rentáveis do mundo.
Porém, o contrassenso disso tudo é que toda essa nova demanda, apesar de representar aumento do PIB, gera grande piora na qualidade de vida das pessoas e empobrecimento dos agricultores, o que constitui uma lógica “perversa” e “insustentável”. Assim, no sistema de mercado em que vivemos hoje o ser humano cumpre um pepel apenas de engrenagem, que serve somente para manter o mercado aquecido e funcionando. E este mercado se revela insensível ao ser humano. Por isso chamamos de “economia de mercado”, e não “economia humana” ou, mais adequadamente, “economia da natureza”. É lamentável, mas a lógica do funcionamento da sociedade em que estamos imersos é perversa, em especial para o ser humano e de u modo geral para a natureza, com a quase totalidade da humanidade e da biodiversidade seriamente prejudicada. E grande parte desse prejuízo é irreversível, como a perda de biodiversidade e o dano à saúde.

(2) Página compilada com diversos slides e artigos científicos relacionados à atuação da bióloga Stephanie Seneff. <https://people.csail.mit.edu/seneff/>
(3) Matéria sobro o uso de de vacinas baseadas na tecnologia de OGMs. <https://falandodedna.wordpress.com/category/vacinas-transgenicas/>