No início do avanço dos transgênicos —
um tipo de “organismos geneticamente modificados” (OGMs) —
na agricultura pelo Brasil e pelo mundo, em meados da década de
1990, o debate girava em torno dos possíveis impactos do uso de
transgênicos sobre a saúde humana. Na época nada se sabia sobre a
questão. E as corporações econômicas que investiam nessa
tecnologia justificavam a adoção sistemática dos OGMs na
agricultura pelo fato de não causarem mal à saúde humana e
melhorarem a produtividade (trataremos deste último aspecto em outro
texto).
Entretanto, o debate sobre os impactos dos OGMs na saúde era de
certa forma bem vindo, pois desviava o foco de outro problema associado
a essa tecnologia: o controle sobre o mercado de sementes e
agrotóxicos. Assim como com as variedades híbridas, a adoção de
OGMs tirava do agricultor o domínio sobre as sementes, defencivos e
técnicas, colocando esse domínio nas mãos de grandes corporações
multinacionais e tornando o agricultor dependente dessas corporações. O debate sobre a questão dos efeitos sobre a saúde também desviava a atenção em relação a outro tema
preocupante no meio científico: os impactos ambientais da adoção
em escala mundial dos OGMs sobre a biodiversidade de
cultivares tradicionais. O cultivo transgênico substituiu
rapidamente os cultivares tradicionais de soja no mundo inteiro,
tornando praticamente inviável um agricultor retornar ao cultivo de
variedades tradicionais, que haviam praticamente desaparecido.
Existem alguns problemas associados a esse processo — não vou discutir todos, mas os relevantes para a presente discussão. Primeiro, deve ser entendido que uma variedade transgênica é
desenvolvida em laboratório e possui baixa variabilidade genética.
Uma planta com baixa “variabilidade” genética possui baixa
capacidade de se adaptar à “variabilidade” do ambiente, como
mudanças climáticas ou a emergência de doenças ou pragas novas ou
incomuns. Por isso, depende de forte intervenção do agricultor com
o uso de defensivos. Porém, para se desenvolver uma variedade em
laboratório, a base biológica para o experimento deve ser buscada
nos cultivares tradicionais já existentes, os bancos genéticos da
biodiversidade. Então, quando a variedade de laboratório
introduzida perder produtividade —
o que normalmente acontece com esse tipo de organismo ao longo dos
anos —, uma nova
variedade deverá ser desenvolvida para substituí-la. Contudo, se os
cultivares tradicionais foram substituídos, onde os cientistas irão
buscar suas amostras para os novos experimentos se não existe mais o
banco genético?
Resumidamente estou falando de “erosão genética” na agricultura
causada pela introdução de variedades geneticamente homogêneas
produzidas em laboratório. Esse é um dos maiores problemas
ambientais com os quais a humanidade terá que lidar e será tratado
melhor em outro texto. Mas, recentemente o velho assunto — impactos
dos OGMs à saúde humana — foi reacendido devido a estudos e
alertas da comunidade científica, os quais tem como principal
protagonista a bióloga Stephanie Seneff, do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial (Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory – CSAIL) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology – MIT). Tais e alertas apontam para
evidencias de relações entre o uso de alimentos baseados na soja
transgênica com a incidência de Alzheimer, autismo, câncer,
doenças cardiovasculares e deficiências da nutrição, além de
outros (1). Isso é bastante alarmante. Porém, a causa
primária do problema não são os OGMs em si, mas o “agrotóxico”
para o qual o organismo foi modificao para resistir: o “glifosato”,
princípio ativo contido no Round-Up, agrotóxico da Monsanto (2),
a mesma dona da semente da planta na qual o veneno é usado.
É no mínimo curioso que volumosos recursos financeiros tenham sido
investidos para desenvolver um organismo transgênico para que ele
resista a um veneno. Por que não desenvolveram uma planta resistente
ao ataque de pragas? Assim seria evitado ou reduzido a necessidade de
uso de agrotóxicos, tornando a produção mais barata e mais limpa saudável. A resposta é óbvia... A questão não é ser a favor ou
contra OGMs. Muitos benefícios podem advir dessa tecnologia, como o
desenvolvimento de vacinas (3). Cada caso, ou seja, cada
organismo novo desenvolvido em laboratório deve passar por um
processo de avaliação em relação a diversos critérios
importantes, como possíveis impactos na saúde, no meio ambiente, na
economia do mercado e das pessoas, etc. E isso exige ações de longo
prazo, incluindo experimentos de longa duração, monitoramento de
populações-teste em pequena escala em laboratório e a ação
conjunto de especialista de distintas áreas. Porém, isso leva um tempo e custos que o mercado não quer lançar mão.
Bom. Se tudo o que foi discutido acima procede, a adoção da
soja transgênica trouxe impactos permanentes em vários setores em
nível global e local: na economia das comunidades agrícolas e das empresas que
produzem esses organismos, além da cadeia ligada a elas; no meio
ambiente, com sérias consequências para o futuro da produção de
alimentos (esse é um assunto para outro texto mais à frente); nas
relações de mercado e controle da tecnologia, que eram
dominantemente centradas nas comunidades de agricultores e agora
concentra-se nas corporações multinacionais donas das patentes; e
finalmente na saúde humana. E nesse último caso, apesar das
consequências preocupantes para nós humanos, para a economia de
mercado trás grandes benefícios, pois aumenta o PIB das nações.
Além do ganho das multinacionais, aumenta de forma considerável a
necessidade de busca pelos agricultores por tecnologias compatíveis
com a produção OGMs e por serviços de financiamento para pagar as
multinacionais e a cadeia ligada a elas. Aumenta o PIB (Produto Interno Bruto) também porque
gera uma demanda considerável tanto dos agricultores (produtores)
como dos consumidores por serviços de saúde devido aos impactos já
mencionados, movimentando o setor e o mercado de remédios, um dos
dos mais rentáveis do mundo.
Porém, o contrassenso disso tudo é que toda essa nova demanda,
apesar de representar aumento do PIB, gera grande piora na qualidade
de vida das pessoas e empobrecimento dos agricultores, o que
constitui uma lógica “perversa” e “insustentável”. Assim,
no sistema de mercado em que vivemos hoje o ser humano cumpre um
pepel apenas de engrenagem, que serve somente para manter o mercado
aquecido e funcionando. E este mercado se revela insensível ao ser
humano. Por isso chamamos de “economia de mercado”, e não
“economia humana” ou, mais adequadamente, “economia da natureza”. É lamentável,
mas a lógica do funcionamento da sociedade em que estamos imersos é
perversa, em especial para o ser humano e de u modo geral para a natureza, com a quase totalidade
da humanidade e da biodiversidade seriamente prejudicada. E grande
parte desse prejuízo é irreversível, como a perda de
biodiversidade e o dano à saúde.
(1) Matéria recente sobre os efeitos do glifosato na saúde
humana.
<http://www.saudecuriosa.com.br/cientistas-afirmam-que-o-glifosato-causara-autismo-em-50-das-criancas-ate-2025/>
(2) Página compilada com diversos slides e artigos
científicos relacionados à atuação da bióloga Stephanie Seneff.
<https://people.csail.mit.edu/seneff/>
(3) Matéria sobro o uso de de vacinas baseadas na
tecnologia de OGMs.
<https://falandodedna.wordpress.com/category/vacinas-transgenicas/>
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