22 de dez. de 2017

O Garoto Propaganda dos Agrotóxicos

Atividade da Escola Família Agrícola do Vale do Sol - EFASol (RS), no Rincão Gaia (Rio Pardo, RS). A EFASol dedica-se à formação de técnicos em agroecologia através da adoção da Pedagogia da Alternância, onde o aluno constrói o conhecimento a partir da sua própria realidade


Fiquei realmente preocupado com a matéria do site "O Globo" sobre o jornalista "Nicholas Vital" que defende o uso dos agrotóxicos. O jornalista, autor do livro "Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo", argumenta que há uma "desinformação" sobre o uso dos agrotóxicos em favor dos alimentos orgânicos, quando na verdade para quem acompanha o movimento há décadas sabe que ocorre exatamente o contrário: uma desinformação em favor dos agrotóxicos e desvalorização dos alimentos orgânicos, os quais seriam considerados menos produtivos e menos vantajosos para o agricultor.


Se olharmos para o grande produtor, aquele que possui milhares de hectares, fica difícil imaginar grande produtividade sem os agrotóxicos, que substitui métodos que exigiriam mais mão de obra. Mas se olharmos para o pequeno e médio produtor, a situação é bem diferente. Quando há uma conversão do cultivo convencional para o orgânico, ocorre uma inversão econômico no "empreendimento" do pequeno agricultor. Com o veneno, a maior parte do capital que circula na mão do agricultor é "custo" de produção. Quando passa a cultivar de forma orgânica, a maior parte do capital que circula na mão do agricultor é lucro. Isso não é uma conclusão baseada em estudos (que praticamente inexistem), mas baseada no relato de diversos produtores orgânicos em diferentes partes do Brasil.


O principal motivo da queda de braço entre a indústria dos insumos agrícolas sintéticos e o movimento pró agricultura orgânica e agroecológica é sim a descontaminação do meio ambiente e dos alimentos para uma melhor qualidade de vida e preservação da natureza. Contudo, no contexto social e econômico há um tema que só percebe quem está por trás dos bastidores do movimento social e das corporações econômicas ligadas à agroindústria: "o controle do mercado dos insumos e produtos agrícolas". Me parece o jornalista Nicholas Vital não demonstra interesse por esse tema. Mas, é justamente nesse campo que ocorrem os principais efeitos da escolha do tipo de agricultura a ser adotada (agrotóxica ou orgânica/agroecológica).


No caso da agricultura convencional, o domínio do mercado (e dos lucros) fica na mão da agroindústria enquanto o agricultor vira um mero instrumento dela, perdendo o domínio da cultura, da semente, dos insumos, da técnica e do lucro. Já com a agricultura orgânica ou agroecológica o agricultor assume o controle, como há décadas atrás, antes da Revolução Verde, dos processos e insumos que usa, da semente e principalmente recupera o vínculo cultural com a terra, ganha dignidade e autoestima, pois deixa de ser um mero instrumento de uma corporação alienígena e passa a ser um ator ativo e dono do que faz.


Há ainda uma tentativa de minimizar a questão da contaminação do agricultor e dos alimentos. Sobre isso, poderíamos até chegar a um acordo sobre uma quantidade mínima de exposição a uma substância tóxica. Só que isso faria sentido se se tratasse de um evento pontual de contaminação. Porém, estamos falando do planeta inteiro usando agrotóxicos sistematicamente e permanentemente.


O autor defende que o Brasil é o único país que produz até 3 safras em um ano num ambiente de clima tropical, e que "a gente tem que entender que o agricultor não usa agrotóxico porque quer, mas por que precisa. Ele adoraria não ter que usar os defensivos, que representa 30% dos custos."


Bom, no caso de algumas culturas os custos com agrotóxicos (e não defensivos) ultrapassa os 60%. E como já disse, quando o agricultor passa a adotar o cultivo orgânico há uma inversão da relação entre "custos" e "ganhos". E mesmo que a produção seja um pouco menor, o ganho é significativamente maior. Para tirar a dúvida, desafio a qualquer um perguntar a um agricultor orgânico "por que adotar o cultivo orgânico?".


"Segundo Vital, o que acontece é uma campanha de desinformação para ampliar o consumo de alimentos orgânicos, que são muito mais caros e precisam de uma justificativa para serem escolhidos pelos consumidores." Ora! Se o custo da produção orgânica é menor, por que o preço dos orgânicos é maior? Porque nós vivemos numa economia de mercado. E como a demanda dos orgânicos ainda é menor que a oferta, o preço fica mais alto. Foz do Iguaçu, por exemplo, fica numa das regiões com maior densidade de produtores orgânicos do país. E lá encontramos produtos orgânicos nas prateleiras dos mercados dividindo o espaço com os produtos convencionais. Lá a diferença de preço é mínima e tende a diminuir porque a cultura dos orgânicos, tanto entre agricultores como consumidores tende a crescer.


O jornalista ainda diz que "falam como se os orgânicos fossem alimentar o mundo, mas não vão. Os preços são 300% mais caros, e representam menos de 0,5% da produção – criticou o jornalista." Se pensarmos na coisa como está, talvez ele tenha razão. Mas temos que pensar nisso tudo como um processo que está apenas começando. E quem conhece, quem acompanha não tem mais dúvidas sobre as vantagens e a importância da agricultura e dos alimentos livres dos agroquímicos.


Agora sobre a afirmação de que os orgânicos são 300% mais caros... me recuso a fazer qualquer comentário, pois é algo totalmente fora da realidade. E sobre a agricultura orgânica corresponder a apenas 0,5% da produção, acho que se é isso, é uma pena. Mas, por outro lado, o número de produtores orgânica vem crescendo continuamente, e isso graças a um movimento que parte dos próprios agricultores e consumidores que escolheram um novo caminho, num movimento totalmente desvinculado das grandes corporações econômicas e governos. E é claro que isso incomoda os donos do mercado, pois eles não estão participando, não estão no controle.


Então, eu me pegunto: O que levaria um jornalista a escrever um livro aparentemente contraditório, defendendo coisas que não podem ser verificadas na prática porque simplesmente não condizem com os fatos? Que interesse existe (ou quem está) por trás da publicação desse livro?

Matéria citada:
Sergio Matsuura. 2017. Jornalista defende uso de agrotóxicos na produção de alimentos. O Globo

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