24 de mar. de 2015

Política, Qualidade de Vida e a Teia da Aranha

Foz do Rio Pardo no rio Jacuí (Rio Pardo, RS) durante pulso de inundação no inverno de 2014.
Foto: Leon M. Rodrigues

Não é de hoje que a classe política faz ‘vista grossa’ às informações geradas pela ciência ao tomar decisões. A qualidade ambiental (e, consequentemente, nós) tem sido profundamente afetado por essa negligência. Para citar alguns exemplos nas últimas décadas, temos a perda de diversidade genética dos alimentos devido à introdução e ‘variedades de laboratório’ (híbridos, transgênicos, etc.) na agricultura ao longo das décadas. A questão os recursos hídricos, que vem se agravando ao longo das décadas e dando recentemente fortes sinais com a crise na região metropolitana e São Paulo, é debatia amplamente no meio científico. A gravidade do problema já é bem compreendida no meio acadêmico há muito tempo. Mas apesar e todo conhecimento e divulgação, parece que o meio político não consegue perceber o que está à sua frente. E talvez a crise recente não seja apenas uma crise, mas o agravamento de um problema crônico que tende a se agravar cada vez mais, como sugere o texto de Lamin-Guedes (2015).

As florestas também vêm sofrendo com a ignorância ambiental da classe política, especialmente com a recente aprovação do novo Código Florestal. Diversos estudos científicos comprovam que as faixas protegidas como “Áreas de Preservação Permanente” (APPs), como margens de rios, topos de morros, etc., devem ser mais largas do que determina o atual Código Florestal (Lima et al., 2014). É importante entender que a extensão das áreas protegidas tem relação com a ‘área e vida’ das espécies que vivem nelas. Ou seja, se a extensão da área protegida precisa ser compatível com a área e vida de uma espécie (p.ex., Martín, 2008; Longepierre et al.; 2001; Doak & Mills, 1994). Do contrário está não conseguirá sobreviver.

Além disso, as APPs não servem somente para proteger as espécies que vivem nelas, mas servem para proteger os recursos hídricos, já tão ameaçados, como discutido acima. As florestas de margens de rios os protegem da erosão e assoreamento e são um importante filtro de poluentes. Também contribuem para a cadeia alimentar das espécies aquáticas. Na verdade existe uma grande dependência das espécies aquáticas em relação aos ecossistemas terrestres adjascentes (p.ex., Jones et al. 1999). E com relação às florestas e topos e morros, sua importância, além das já mencionadas, elas protegem as diversas pequenas nascentes que alimentam os granes mananciais.

Assim, é possível perceber com alguns exemplos polêmicos conhecidos que existe uma conexão entre os diferentes componentes da natureza, incluindo o ser humano, que acaba sofrendo as consequências. Se rompermos uma ponta da teia, toda sua estrutura é alterada, tal como a “teia da aranha”. A questão é: Como fazer para os tomadores de decisões perceberem os problemas ambientais e a importância de resolvê-los? Também deve ser feita as seguintes perguntas: Há interesse em resolver o problema ambiental e da qualidade de vida ou há outros interesses mais fortes? Há interesse em manter o status quo para a manutenção de tais interesses?

Acredito que tudo é uma questão de percepção, e que esta percepção é determinada pelo conhecimento de cada um. A ignorância ou falta de ciência sobre as coisas impede uma percepção clara da realidade e leva a atitudes equivocadas. Um os primeiros passos para tratar a ignorância é a alfabetização. Por isso podemos dizer que para tratar a ignorância ambiental, precisamos de “alfabetização ambiental” ou “alfabetização ecológica”, dependendo do autor. Porém, esse não é um problema que afeta somente as famílias de baixa renda. Parece ser um problema que independe de renda, pois vemos a mais alta ignorância (e arrogância) ambiental tanto entre os mais pobres como entre os mais ricos. Assim, talvez a cultura e a educação sejam o nó mais problemático da ‘teia ambiental’.

O contexto sociopolítico atual exemplifica bem a ignorância ambiental no caso do Brasil. Enquanto falamos de economia, soberania, corrupção, PIB, eleição, etc., a educação parece sempre ficar de lado. A educação é o processo pelo qual o conhecimento científico, já mencionado, é transformado em conhecimento cultural e passa a fazer parte do ideário e modus operandi das pessoas. O estudo de Miranda et al. (2010) exemplifica bem esse processo. Com boa educação, o povo vota melhor, os políticos decidem melhor, a sociedade se organiza melhor... O problema é que os efeitos da educação só se sentem a longo prazo, quando as gerações futuras estiverem à frente da sociedade, votando, trabalhando e fazendo política.

Por isso, a mais potente e importante ferramenta para transformar a sociedade é a educação. Sem ela, tudo continuará como sempre esteve, incluindo a política e a economia que, apesar de mudarem os protagonistas, se mantém através dos mesmos modelos. Nas últimas décadas, por exemplo, a desigualdade social e a pobreza vêm diminuindo no Brasil, o que é um avanço do ponto de vista social. Mas, apesar de amenizadas, as relações sociais e de trabalho continuam essencialmente as mesmas. As mudanças necessárias para o estabelecimento de um modelo que sustente a qualidade de vida não virão de um regime de governo ou projeto político, mas sim da educação. O projeto de governo é fundamental, mas o governo pode e deve contribuir valorizando e estimulando o processo educacional para estabeleçamos conexões fortes e duradouras na ‘teia ambiental’.


Bibliografia

Doak, D. F. & Mills, L. S. A useful role for theory in conservation. Ecology, v. 75, n. 3, p. 615-626, 1994. Disponível em: http://www.researchgate.net/profile/L_Mills/publication/230693610_A_useful_role_for_theory_in_conservation/links/5491893c0cf214269f29f7bf.pdf
Jones, E. B., helfman, G. S., harper, J. O. & Bolstad, P. V. 1999. Effects of riparian forest removal on fish assemblages in southern Appalachian streams. Conservation Biology, v. 13, n. 6, p. 1454-1465. Disponível em: http://littletnwi.org/wp-content/uploads/2014/04/j.1523-1739.1999.98172.x.pdf
Lima, A., Bensusan, N. & Russ, L. 2014. Código Florestal. Por um debate pautado em ciência. Brasília, IPAM, 75p. Disponível em: http://www.ipam.org.br/biblioteca/livro/Estudo-do-Ipam-mergulha-na-producao-cientifica-existente-para-entender-importancia-das-florestas/761
Longepierre, S., Hailey, A. & Grenot, C. 2001. Home range area in the tortoise Testudo hermanni in relation to habitat complexity: implications for conservation of biodiversity. Biodiversity & Conservation, v. 10, n. 7, p. 1131-1140. Disponível em (resumo): http://link.springer.com/article/10.1023/A:1016611030406
Martín, J. L. 2009. Are the IUCN standard home-range thresholds for species a good indicator to prioritise conservation urgency in small islands? A case study in the Canary Islands (Spain). Journal for Nature Conservation, v. 17, n. 2, p. 87-98. Disponível em: http://www.researchgate.net/profile/Jose_Martin19/publication/258225119_Are_the_IUCN_standard_home-range_thresholds_for_species_a_good_indicator_to_prioritise_conservation_urgency_in_small_islands_A_case_study_in_the_Canary_Islands_(Spain)/links/00b7d52775bfdc3d72000000.pdf
Miranda, A. C. de B., Jófili, Z. M. S., Leão, A. M. dos A. C., & Lins, M. 2010. Alfabetização ecológica e formação de conceitos na educação infantil por meio de atividades lúdicas. Investigações em Ensino de Ciências, v. 15, n. 1, p. 181-200. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/ienci/artigos/Artigo_ID233/v15_n1_a2010.pdf

Ciberografia

Alisson, E. 2013. Perda da biodiversidade é problema global. Planeta Sustentável − Ambiente. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/perda-biodiversidade-problema-global-747037.shtml
IPAM. 2015. Estudo conclui que debate sobre código florestal ignorou produção científica existente. IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Dispónível em: http://www.ipam.org.br/noticias/Estudo-do-Ipam-conclui-que-debate-sobre-codigo-florestal-ignorou-producao-cientifica-existente/3230/destaque

Lamin-Guedes, V. 2015. Crise da água na região metropolitana de São Paulo, Brasil. Global Education Magazine. Disponível em: http://www.globaleducationmagazine.com/crise-da-agua-na-regiao-metropolitana-de-sao-paulo-brasil/

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