Foz do Rio Pardo no rio Jacuí (Rio Pardo, RS) durante pulso de inundação no inverno de 2014. Foto: Leon M. Rodrigues |
Não é de hoje que a classe política
faz ‘vista grossa’ às informações geradas pela ciência ao tomar decisões. A
qualidade ambiental (e, consequentemente, nós) tem sido profundamente afetado
por essa negligência. Para citar alguns exemplos nas últimas décadas, temos a
perda de diversidade genética dos alimentos devido à introdução e ‘variedades
de laboratório’ (híbridos, transgênicos, etc.) na agricultura ao longo das
décadas. A questão os recursos hídricos, que vem se agravando ao longo das
décadas e dando recentemente fortes sinais com a crise na região metropolitana
e São Paulo, é debatia amplamente no meio científico. A gravidade do problema
já é bem compreendida no meio acadêmico há muito tempo. Mas apesar e todo
conhecimento e divulgação, parece que o meio político não consegue perceber o
que está à sua frente. E talvez a crise recente não seja apenas uma crise, mas
o agravamento de um problema crônico que tende a se agravar cada vez mais, como
sugere o texto de Lamin-Guedes (2015).
As florestas também vêm sofrendo com
a ignorância ambiental da classe política, especialmente com a recente
aprovação do novo Código Florestal. Diversos estudos científicos comprovam que
as faixas protegidas como “Áreas de Preservação Permanente” (APPs), como
margens de rios, topos de morros, etc., devem ser mais largas do que determina
o atual Código Florestal (Lima et al., 2014). É importante entender que a
extensão das áreas protegidas tem relação com a ‘área e vida’ das espécies que
vivem nelas. Ou seja, se a extensão da área protegida precisa ser compatível
com a área e vida de uma espécie (p.ex., Martín, 2008; Longepierre et al.;
2001; Doak & Mills, 1994). Do contrário está não conseguirá sobreviver.
Além disso, as APPs não servem
somente para proteger as espécies que vivem nelas, mas servem para proteger os
recursos hídricos, já tão ameaçados, como discutido acima. As florestas de
margens de rios os protegem da erosão e assoreamento e são um importante filtro
de poluentes. Também contribuem para a cadeia alimentar das espécies aquáticas.
Na verdade existe uma grande dependência das espécies aquáticas em relação aos
ecossistemas terrestres adjascentes (p.ex., Jones et al. 1999). E com relação
às florestas e topos e morros, sua importância, além das já mencionadas, elas
protegem as diversas pequenas nascentes que alimentam os granes mananciais.
Assim, é possível perceber com
alguns exemplos polêmicos conhecidos que existe uma conexão entre os diferentes
componentes da natureza, incluindo o ser humano, que acaba sofrendo as
consequências. Se rompermos uma ponta da teia, toda sua estrutura é alterada,
tal como a “teia da aranha”. A questão é: Como fazer para os tomadores de
decisões perceberem os problemas ambientais e a importância de resolvê-los?
Também deve ser feita as seguintes perguntas: Há interesse em resolver o
problema ambiental e da qualidade de vida ou há outros interesses mais fortes?
Há interesse em manter o status quo
para a manutenção de tais interesses?
Acredito que tudo é uma questão de
percepção, e que esta percepção é determinada pelo conhecimento de cada um. A
ignorância ou falta de ciência sobre as coisas impede uma percepção clara da
realidade e leva a atitudes equivocadas. Um os primeiros passos para tratar a
ignorância é a alfabetização. Por isso podemos dizer que para tratar a
ignorância ambiental, precisamos de “alfabetização ambiental” ou “alfabetização
ecológica”, dependendo do autor. Porém, esse não é um problema que afeta
somente as famílias de baixa renda. Parece ser um problema que independe de
renda, pois vemos a mais alta ignorância (e arrogância) ambiental tanto entre
os mais pobres como entre os mais ricos. Assim, talvez a cultura e a educação
sejam o nó mais problemático da ‘teia ambiental’.
O contexto sociopolítico atual exemplifica
bem a ignorância ambiental no caso do Brasil. Enquanto falamos de economia,
soberania, corrupção, PIB, eleição, etc., a educação parece sempre ficar de
lado. A educação é o processo pelo qual o conhecimento científico, já
mencionado, é transformado em conhecimento cultural e passa a fazer parte do
ideário e modus operandi das pessoas.
O estudo de Miranda et al. (2010) exemplifica bem esse processo. Com boa
educação, o povo vota melhor, os políticos decidem melhor, a sociedade se
organiza melhor... O problema é que os efeitos da educação só se sentem a longo
prazo, quando as gerações futuras estiverem à frente da sociedade, votando,
trabalhando e fazendo política.
Por isso, a mais potente e
importante ferramenta para transformar a sociedade é a educação. Sem ela, tudo
continuará como sempre esteve, incluindo a política e a economia que, apesar de
mudarem os protagonistas, se mantém através dos mesmos modelos. Nas últimas
décadas, por exemplo, a desigualdade social e a pobreza vêm diminuindo no
Brasil, o que é um avanço do ponto de vista social. Mas, apesar de amenizadas,
as relações sociais e de trabalho continuam essencialmente as mesmas. As
mudanças necessárias para o estabelecimento de um modelo que sustente a
qualidade de vida não virão de um regime de governo ou projeto político, mas
sim da educação. O projeto de governo é fundamental, mas o governo pode e deve
contribuir valorizando e estimulando o processo educacional para estabeleçamos
conexões fortes e duradouras na ‘teia ambiental’.
Bibliografia
Doak, D. F. & Mills, L. S. A useful role for
theory in conservation. Ecology, v.
75, n. 3, p. 615-626, 1994. Disponível em: http://www.researchgate.net/profile/L_Mills/publication/230693610_A_useful_role_for_theory_in_conservation/links/5491893c0cf214269f29f7bf.pdf
Jones, E. B., helfman, G. S., harper, J. O. &
Bolstad, P. V. 1999. Effects of riparian forest removal on fish assemblages in
southern Appalachian streams. Conservation
Biology, v. 13, n. 6, p. 1454-1465. Disponível em: http://littletnwi.org/wp-content/uploads/2014/04/j.1523-1739.1999.98172.x.pdf
Lima, A., Bensusan,
N. & Russ, L. 2014. Código Florestal.
Por um debate pautado em ciência. Brasília, IPAM, 75p. Disponível em:
http://www.ipam.org.br/biblioteca/livro/Estudo-do-Ipam-mergulha-na-producao-cientifica-existente-para-entender-importancia-das-florestas/761
Longepierre, S., Hailey, A. & Grenot, C. 2001. Home
range area in the tortoise Testudo hermanni in relation to habitat complexity:
implications for conservation of biodiversity. Biodiversity & Conservation, v. 10, n. 7, p. 1131-1140. Disponível em (resumo): http://link.springer.com/article/10.1023/A:1016611030406
Martín, J. L. 2009. Are the IUCN standard home-range
thresholds for species a good indicator to prioritise conservation urgency in
small islands? A case study in the Canary Islands (Spain). Journal for Nature Conservation, v. 17, n. 2, p. 87-98. Disponível em: http://www.researchgate.net/profile/Jose_Martin19/publication/258225119_Are_the_IUCN_standard_home-range_thresholds_for_species_a_good_indicator_to_prioritise_conservation_urgency_in_small_islands_A_case_study_in_the_Canary_Islands_(Spain)/links/00b7d52775bfdc3d72000000.pdf
Miranda, A. C. de
B., Jófili, Z. M. S., Leão, A. M. dos A. C., & Lins, M. 2010. Alfabetização
ecológica e formação de conceitos na educação infantil por meio de atividades
lúdicas. Investigações em Ensino de
Ciências, v. 15, n. 1, p. 181-200. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/ienci/artigos/Artigo_ID233/v15_n1_a2010.pdf
Ciberografia
Alisson, E. 2013. Perda da biodiversidade é problema global.
Planeta Sustentável − Ambiente. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/perda-biodiversidade-problema-global-747037.shtml
IPAM. 2015. Estudo conclui que debate sobre código
florestal ignorou produção científica existente. IPAM – Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia. Dispónível em: http://www.ipam.org.br/noticias/Estudo-do-Ipam-conclui-que-debate-sobre-codigo-florestal-ignorou-producao-cientifica-existente/3230/destaque
Lamin-Guedes, V.
2015. Crise da água na região metropolitana de São Paulo, Brasil. Global Education Magazine. Disponível
em:
http://www.globaleducationmagazine.com/crise-da-agua-na-regiao-metropolitana-de-sao-paulo-brasil/
Nenhum comentário:
Postar um comentário