10 de set. de 2019

O que as Duas Grandes Guerras Mundiais Têm em Comum com o Período Atual?


Fronteiras planetárias. Dentro do círculo pontilhado encontra-se o espaço seguro para humanidade. (Crédito: J. Lokrantz/Azote, baseado em Steffen et al., 2015)

O cenário mundial tem preocupado autoridades de diferentes tendências. Dentre algumas questões críticas que tem despertado a atenção podemos citar:

  • o crescimento inexorável dos gastos militares;
  • democracias em transição para estados policiais cada vez mais autoritários;
  • aumento das tensões geopolíticas entre grandes potências;
  • ressurgimento do populismo à esquerda e à direita;
  • o colapso e o enfraquecimento de instituições globais estabelecidas que governam o capitalismo transnacional; e
  • o implacável aumento das desigualdades globais.

Todas estas questões são motivos de preocupação e alerta, e descrevem bem o período em que estamos vivendo. No entanto, estes são sintomas que antecederam as duas grandes guerras mundiais (Hanappi, 2019).

Não podemos afirmar categoricamente que estamos nos encaminhando para uma terceira guerra mundial ou algo do tipo. Contudo, não podemos ignorar que a conjuntura é cada vez mais favorável a isso. Eu acrescentaria ainda aos sintomas listados acima a forma como a população em geral caminha na direção do desastre ditada pelos acontecimentos, conduzidas pelo "efeito de manada". Seguem a multidão sem perceber no que estão engajados, sem perceber que estão contribuindo para reforçar a conjuntura descrita acima.

Mas, então, no que o cenário atual difere daqueles que antecederam as duas grandes guerras? Nas palavras do Prof. Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia), no passado “éramos um um pequeno mundo num grande planeta”. Hoje “somos um grande mundo num pequeno planeta” (Rockström et al., 2015). O que quero dizer é que talvez nosso planeta não possua capacidade para absorver o impacto de mais uma grande guerra e se manter dentro dos seus limites de resiliência.

Já estamos transitando por estes limites (Steffen et al., 2015). Soma-se a isso o fato de que uma terceira grande guerra seria potencialmente muito mais devastadora do que as que a antecederam, pois hoje as forças armadas do planeta são muito maiores e mais potentes, com alcance e potência tecnológica e bélica mito maiores. Não precisaríamos de armas nucleares para uma catástrofe global.

E num mundo cada vez mais e mais conectado, onde tudo é cada vez mais intenso e rápido, precisamos considerar que vivemos numa realidade que permite o surgimento de crises acopladas no tempo e no espaço, com potencial sem precedentes para a propagação de crises e um risco aumentado de que intervenções gerenciais em uma região se tornem impulsionadoras de crises em outros lugares devido ao aumento da conectividade (Biggs et al., 2011).

Por isso, uma terceira grande guerra não é desejável  se é que alguma guerra é desejável.  Uma guerra de grandes proporções poderia dar o impulso final para ultrapassarmos as fronteiras da sustentabilidade do planeta de maneira irreversível. Poderia levar o planeta e a civilização literalmente ao colapso.

No entanto, qualquer prognóstico seria ousado demais e imprudente, dado o grau de complexidade e imprevisibilidade com o qual lidamos nesse tipo de questão. Mas, ignorar as possibilidades seria mais imprudente ainda. Há muito em jogo...

Mas há algo inquestionável no horizonte. O oposto da intolerância e hostilidade de um cenário de guerra é a democracia. Precisamos nos perguntar e às nossas autoridades em que direção seguir.


Referências


Biggs, D., Biggs, R., Dakos, V., Scholes, R. J. & Schoon, M. 2011. Are we entering an era of concatenated global crises? Ecology and Society, 16(2): 27.
Rockström, J., Klum, M., & Miller, P. 2015. Big World, Small Planet: Abundance within Planetary Boundaries. New Haven: Yale University Press, 206p.
Rockström, J., Steffen, W., Noone, K., Persson, Å., Chapin III, F. S., Lambin, E. F., Lenton, T. M., Scheffer, M., Folke, C., Schellnhuber, H. J., Nykvist, B., de Wit, C. A., Hughes, T., van der Leeuw, S., Rodhe, H., Sörlin, S., Snyder, P. K., Costanza, R., Svedin, U., Falkenmark, M., Karlberg, L., Corell, R. W., Fabry, V. J., Hansen, J., Walker, B., Liverman, D., Richardson, K., Crutzen, P. & Foley, J. A. 2009. A safe operating space for humanity. Nature, 461(7263): 472–475.
Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J., Corell, S. E., Fetzer, I., Bennett, E. M., Biggs, R., Carpenter, S. R., de Vries, W., de Wit, C. A., Folke, C., Gerten, D., Heinke, J., Mace, G. M., Persson, L. M., Ramanathan, V., Reyers, B. & Sörlin, S. 2015. Planetary boundaries: guiding human development on a changing planet. Science, 347(6223):1259855.

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